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Persevera Asset Management

A bolsa e o poder da taxa de juros

"Mudar a taxa [de juros] tem o potencial de redefinir os retornos de tudo."

Howard Marks¹


Em novembro, o Persevera Compass FIC apresentou boa performance de +2,28%. No próximo mês, faremos a atribuição de performance detalhada do ano e atualizaremos nosso cenário e perspectivas para 2021. Para as informações completas, acesse o material informativo neste link.


Neste mês, vamos analisar em mais detalhes as perspectivas de longo prazo para o mercado de ações no Brasil. Em especial, vamos argumentar como o processo de transformação pelo qual o Brasil vem passando, e que acreditamos ser perene, deverá promover uma mudança estrutural na precificação das ações brasileiras, assim como já vem ocorrendo em outros mercados.


O enorme poder da taxa de juros


O investidor em ações, como colocado por Benjamin Graham, analisa as ações como partes de um negócio, e o acionista como o dono da empresa[1]. Dessa forma, em contraposição aos títulos de renda fixa, as ações permitem ao investidor participar do crescimento dos lucros do negócio, mas naturalmente se expondo a todos os riscos inerentes às atividades da empresa.


Da mesma forma que os títulos de renda fixa, os investimentos em ações são avaliados por seus fluxos de caixa esperados, trazidos a valor presente por uma taxa de retorno requerida. Por isso, quedas de taxas de juros nos títulos de renda fixa também afetam de forma muito relevante os preços das ações. Howard Marks coloca em seu memorando mais recente Coming into Focus, de onde tiramos a citação desta carta, em seção com o mesmo título “O poder da taxa de juros”:


“Uma baixa taxa [curta] de juros reduz os retornos demandados ao longo de toda a curva do mercado de capitais [...]
Como a taxa [de juros curta] pode ser obtida sem risco, e a maioria das pessoas preferem segurança a risco […], os investidores não tomam risco sem serem compensados por isso.”

Dessa forma, os investidores demandarão retornos progressivamente maiores dos investimentos conforme aumenta o risco, e, progressivamente, demandarão mais retornos, sucessivamente, de títulos públicos de longo prazo, títulos privados, ações etc. Mais importante para a nossa argumentação, quando caem as taxas de juros “livres de risco”, tanto no mercado global quanto no mercado local, as taxas requeridas para todos os demais investimentos também caem, provocando alta nos preços. Marks resume esse fenômeno:

“Uma das maiores histórias financeiras de 2020 [foi] o forte rally de mercado que começou no fim de março e rapidamente levou os índices de ações a recuperar o terreno que haviam perdido, e em alguns casos atingir novas máximas. E quanto mais eu penso, mais atribuo o ocorrido ao baixo nível das taxas de juros".

De fato, podemos ver no comportamento do S&P 500 essa relação destacada por Marks, que não ocorre de forma simultânea, mas certamente pode ser percebida ao longo do ano.



Não é necessário dizer que, no Brasil, também passamos por um processo radical de queda nas taxas de juros de curto prazo, o que causa, como colocado por Marks, uma mudança de patamar dos diversos ativos. Como podemos ver no gráfico a seguir, a queda de juros do patamar de 14%a.a. para 2%a.a. causou uma relevante elevação nos preços dos ativos no Brasil, incluindo os títulos de renda fixa longos, a cotação do dólar, os preços dos imóveis e o Ibovespa.




Pelo gráfico acima, já se pode perceber intuitivamente que, quando ajustada ao risco, a reprecificação das ações brasileiras com a queda na taxa de juros foi muito mais modesta que a dos demais ativos. Quando analisamos em prazos mais longos, porém, a relação entre a taxa de juros e o preço das ações não pode ser feita diretamente. Isso ocorre porque o outro fator fundamental que determina o valor das empresas são os lucros das companhias. É por isso que, para se avaliar quão caras ou baratas estão as ações, os analistas acompanham a relação entre o preço das empresas e os lucros atuais ou futuros. A forma mais conhecida de se acompanhar essa relação é o famoso P/E (price to earnings, ou o índice preço/lucro), que divide o preço das ações das empresas pelo lucro corrente ou esperado para um certo período no futuro.


Em especial, devemos considerar que, durante o período apresentado no gráfico acima, houve uma profunda melhora operacional e financeira das empresas brasileiras, que abrem caminho para uma consistente expansão de margens. Essa expansão já vem acontecendo, apesar da queda de lucros ocorrida em 2020 por consequência das medidas de contenção da pandemia de coronavírus. Em outras palavras, os preços, como um múltiplo dos lucros, têm espaço para se expandir ainda mais. Foi exatamente o que aconteceu com o mercado de ações do México entre os anos de 2008 e 2015, como mostrado no gráfico a seguir. Quando a taxa básica de juros foi reduzida de cerca de 9%a.a. para em torno de 3%a.a., o múltiplo P/E se expandiu de 10x para perto de 19x, ou seja, uma alta de 90% em relação à expansão de lucros.



Ao contrário do México, no caso brasileiro, a forte queda das taxas de juros desde 2015 não foi acompanhada por quase nenhum aumento do múltiplo do Ibovespa, exceto pela expressiva oscilação durante a crise deste ano.


Medindo as taxas de retorno das ações


As projeções anuais de lucros das empresas, utilizadas na medida do P/E indicada acima, são, contudo, sujeitas a diversas limitações. Dentre elas, podemos citar:

  • O lucro projetado para o ano não incorpora o crescimento esperado no futuro

  • O lucro contábil não diferencia empresas geradoras de caixa de empresas que precisam consumir caixa para manter ou expandir o nível de suas operações

  • Para comparações internacionais (como faremos adiante), o lucro contábil não considera as taxas de inflação

  • Entre companhias, o lucro pode ser afetado pelos critérios contábeis adotados, como capitalização de despesas

  • O lucro é afetado pelos diferentes níveis de endividamento das empresas.

A área de investimentos do banco Credit Suisse possui uma metodologia de análise denominada HOLT[1] que trata essas limitações das medidas de lucro contábil, transformando os dados brutos em estimativas padronizadas de fluxos de caixa e crescimento. Para as análises a seguir, utilizaremos essa medida mais robusta de lucros e, comparando-a com os valores de mercado das empresas[2], chega-se a uma taxa de retorno real obtida pelos investimentos em renda variável. Essa medida[3] que chamaremos de taxa real implícita no mercado de ações, pode ser mais corretamente comparada com a taxa de juros reais da economia de forma a se avaliar opotencial de valorização do mercado de renda variável. Quanto mais alta essa taxa, maior o retorno potencial das ações


No caso do mercado norte americano, o gráfico a seguir mostra as duas séries, o retorno implícito nas ações e o retorno real livre de risco – estimado pela taxa dos Fed Funds menos a inflação acumulada em 12 meses.


No gráfico acima, quando a linha escura está acima da linha clara, os retornos das ações são mais atraentes, o que representa bom potencial de valorização, e vice-versa, quando a linha escura está abaixo, os retornos das ações não são tão interessantes. Quanto maior a diferença entre as linhas – o prêmio pelo risco das ações – maior o potencial do mercado de renda variável. O próximo gráfico mostra como evoluiu este prêmio, de 2000 a 2020


No caso do mercado americano, portanto, o prêmio pelo risco das ações flutuou historicamente ao redor da média de 5,2%a.a., e, olhando para frente, apesar da alta dos mercados americanos neste ano, as ações não parecem excessivamente caras quando ajustamos pelo baixíssimo nível de juros reais prevalecente.


A precificação do mercado de ações brasileiro

Outra grande vantagem da utilização dessa medida de retorno é que a base de dados do sistema HOLT Lens é mais extensa e robusta para o Brasil do que o histórico de projeções de lucros, além de já ser um número corrigido por itens extraordinários e não recorrentes. Dessa forma, podemos tentar replicar a análise anterior para o mercado brasileiro.




O gráfico acima, embora disponível para um prazo mais curto, mostra que, enquanto a taxa real de curto prazo no Brasil caiu de mais de 12%a.a. para -2%a.a., a taxa de retorno real das ações caiu muito menos, de 7,5% para cerca de 5%. Quando olhamos o prêmio pelo risco das ações, ou seja, a diferença entre o retorno das ações e a taxa real de curto prazo, essa divergência fica ainda mais gritante.




Por essa medida, a bolsa brasileira nunca esteve tão barata, ou seja, com uma taxa de retorno potencial tão atraente em relação às taxas de juros reais de curto prazo. Mais do que isso, como temos argumentado em nossas cartas, a redução de taxa de juros pela qual passamos é estrutural, consequência do ambiente desinflacionário que vivemos desde que foi abandonada a nova matriz macroeconômica. É bem verdade que as taxas de juros de longo prazo não apresentaram a mesma queda, porém, achamos que elas ainda estão incorporando um prêmio excessivo quando considerada a brutal redução das taxas curtas, que será muito mais perene do que o percebido pelo mercado, como argumentamos em Nova conjuntura, velhos medos.


Acreditamos, assim, que o nível de taxa de juros real na parte longa da curva de juros reais continuará caindo, conforme a queda na taxa de juros real de curto prazo se mostre perene, ainda que esta não se mantenha nos patamares negativos atuais. Por essa razão, achamos que há espaço para uma relevante reprecificação não só do mercado de renda fixa, como também do mercado de ações no médio prazo. Essa perspectiva positiva para o mercado de ações decorre exatamente do poder das taxas de juros, como destacado por Howard Marks, apesar de não sermos muito otimistas com as taxas de crescimento econômico no curto prazo. Acreditamos que os preços das ações não somente estão defasados em relação à queda das taxas de juros já ocorrida como também se beneficiará da continuidade do processo de queda de juros reais de longo prazo no Brasil.


Para concluir, vale lembrar que o mercado de renda variável, apesar de apresentar perspectivas promissoras como argumentamos, está sempre sujeito a fortes movimentos, como vimos ao longo de 2020, quando o Ibovespa chegou a cair mais de 40% do pico atingido no início do ano. É fundamental que o investidor mantenha sua alocação ao mercado de ações em patamares compatíveis com sua tolerância a estas oscilações, pois, como discutimos em detalhes em Ações: aprecie com moderação:


“o movimento correto que o investidor brasileiro já começou a fazer e continuará fazendo nos próximos anos é a redução da participação do CDI em sua carteira. Mas essa mudança deve respeitar os limites psicológicos do investidor e, por isso, ser feita de forma gradual para ativos de maior risco como as ações. [...] Dessa forma, o investidor mantém o nível de risco da sua carteira compatível com os limites psicológicos que lhe permitirão capturar integralmente os prêmios de risco oferecidos pelo mercado de capitais.”




[2] https://www.investopedia.com/articles/basics/07/grahamprinciples.asp, acesso em 25/11/2020 [3] https://www.oaktreecapital.com/docs/default-source/memos/coming-into-focus.pdf, seção “The power of interest rates”, traduções nossas; acesso em 25/11/2020

[4] https://www.credit-suisse.com/microsites/holt/en/what-is-holt/holt-lens.html, acesso em 26/11/2020 [5] Valor de mercado entendido como o Enterprise Value, ou seja, independente da fonte de financiamento. [6] CFROIC yield – cash flow return on investment capital yield, em oposição ao earnings yield


Equipe Persevera.

 

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