“Tempos difíceis incentivaram os produtores a se tornarem eficientes […]. Todo o excesso de oferta foi enxugado.”
Jim Rogers[1]
Nesta carta, abordaremos a dicotomia entre a postura do Fed[2] e dos demais bancos centrais e as restrições estruturais de oferta nos mercados de commodities. Como temos defendido, as autoridades monetárias globais deverão manter políticas contracionistas até que haja uma queda significativa das taxas de inflação, para patamares mais compatíveis com as metas. No entanto, diferente do que usualmente ocorre em ciclos de contração econômica, a oferta de commodities permanece bastante limitada, o que poderia dificultar o trabalho de desinflação dos bancos centrais.
O “não pivô” do Fed Jerome Powell continua em uma cruzada para reverter o processo inflacionário pós pandemia. Na coletiva de imprensa após a reunião do Fed de novembro, o presidente do banco central norte americano reforçou uma postura bastante firme. Powell destacou que a persistência da inflação fará o banco central levar a taxa de juros a um patamar mais alto do que esperado anteriormente e mantê-la contracionista por um longo período.
Outra consideração importante da última coletiva foi um reconhecimento explícito de que o canal de portfólio é hoje um mecanismo mais importante do que no passado para derrubar as taxas de inflação. Ou seja, de certa forma, a autoridade monetária reconheceu que faz parte de seu plano manter as condições financeiras apertadas a partir da queda nos preços dos ativos, como tem acontecido ao longo deste ciclo de aperto.
Essa postura mais hawkish surpreendeu o mercado, que vinha esperando um “pivô do Fed”, após indicações de que a autoridade monetária estaria considerando reduzir o ritmo de aperto de 0,75 ponto percentual por reunião para 0,50. Apesar de ter de fato sinalizado que essa desaceleração se aproxima, a mensagem geral de Powell foi bem mais dura do que na reunião anterior, mais do que contrapondo a indicação de redução do ritmo de aperto.
Dessa forma, continuamos com uma visão negativa para os ativos de risco globais, que permanecerão sob pressão da política monetária mais contracionista até que se vejam sinais mais claros de desaceleração inflacionária. Nesse sentido, um desenvolvimento bem-vindo foi a recente queda nos preços de commodities, que acompanharam o movimento mais recente de aumento de aversão ao risco. No entanto, como discutiremos a seguir, a situação estrutural da oferta desses mercados poderá dificultar o trabalho de desinflação dos bancos centrais.
Um ciclo de oferta não usual Normalmente, os preços das commodities chegam aos patamares mais elevados em estágios avançados dos ciclos econômicos, quando altas taxas de inflação causam reação contracionista dos bancos centrais. Esses preços altos incentivam o investimento e a entrada de novos projetos no momento em que a demanda começa a se enfraquecer com o aperto monetário, de forma que as duas forças contribuem em conjunto para a desinflação da economia.
No contexto atual, o universo das commodities passa por período bastante atípico, pois a desaceleração de demanda ocorre em conjunto a uma importante restrição de oferta e a estoques em mínimas históricas. No período pós crise financeira global, os investimentos no setor permaneceram em patamares bastante baixos. A fraqueza da demanda no período que antecedeu a pandemia, bem como as constantes preocupações em relação à guerra comercial durante o governo Donald Trump nos EUA, desestimularam investimentos de longo prazo em ampliação de capacidade.
Além disso, o aumento do rigor e das incertezas regulatórias – aumento de royalties/tributação, maiores exigências para concessão de licenças ligadas às demandas de sustentabilidade ambiental e social – também elevaram os custos e desestimularam os projetos de investimento em produção. Sobre esse quadro já desafiador, somou-se o choque dos preços de energia – item relevante na estrutura de custos operacionais – decorrente do conflito entre Rússia e Ucrânia. Em outras palavras, o período por que passamos mostra uma divergência entre a dinâmica da oferta, que ainda está bastante restrita, e da demanda, que começa a se reduzir por conta das políticas contracionistas.
Esses períodos de divergência entre os ciclos da demanda e da oferta são incomuns, mas já ocorreram em dois momentos do passado, nas décadas de 1970 e 2000. Em contraste às desacelerações usuais, nas quais a redução da demanda coincide com a elevação da capacidade produtiva, nessas duas ocasiões, os preços se elevaram até um patamar que causou destruição suficiente de demanda. Após tal nível, a redução da demanda provocou algum arrefecimento nos preços, mas sempre limitado ao equilíbrio em um contexto de baixa oferta e estoques.
Ou seja, em um ciclo com restrição de oferta, os efeitos da política econômica são menos auxiliados pelo ciclo das commodities, uma vez que não há capacidade ociosa para reforçar o movimento de desinflação. Portanto, como o ciclo da oferta não está sincronizado com a restrição da demanda, as taxas de juros devem atingir um patamar mais elevado e permanecer em tal nível por mais tempo para evitar uma retomada de renda que volte a causar pressões altistas nos preços das commodities.
A redução da demanda terá que ser mais forte Do lado da demanda, além do arrefecimento econômico observado nos EUA, a crise de energia na Europa, a manutenção da política de covid zero na China e a desaceleração no setor de construção vêm contribuindo de forma coordenada para um reequilíbrio dos mercados. Em contrapartida, uma demanda adicional advinda dos investimentos em descarbonização, mesmo com a atual conjuntura, continua atenuando a queda da demanda convencional.
De fato, a restrição de demanda, aliada ao movimento de aversão a risco provocado pelos bancos centrais, permitiu uma queda do índice CRB de commodities da ordem de 15% em relação aos picos observados em maio. Essa queda e a passagem do tempo, que deixa para trás as fortes elevações de 2021, devem contribuir para uma redução importante das taxas de inflação nos próximos trimestres.
No entanto, em períodos de oferta restrita, o impacto desses fatores tende a ter curta duração, pois, no médio prazo, os custos variáveis de produção impõem um limite para a queda de preços. Além disso, a força do Dólar provocada pelas altas taxas de juros nos EUA mitiga parcialmente a redução dos preços das commodities para os demais países na moeda local. Em outras palavras, a queda de preços será menor, e o trabalho de redução da demanda tenderá a ser mais custoso para a economia global. Efeitos para o Brasil Como temos defendido, o ciclo de aperto monetário no Brasil encontra-se em estágio bem mais avançado que nos países desenvolvidos. O nível de juros reais bastante elevado tem protegido a moeda brasileira, em termos relativos, do movimento de depreciação generalizado contra o Dólar.
Além disso, os efeitos comerciais dos preços elevados de commodities se contrapõem à força da moeda americana, contribuindo para a melhor performance do Real indicada no gráfico. Resta saber se a mudança de governo no Brasil poderia causar uma alteração significativa nessa dinâmica favorável. Naturalmente, isso dependerá das políticas econômicas a serem implementadas pelo novo governo, mas, como temos argumentado desde a pandemia, a situação fiscal em que se encontra o Brasil permite certo grau de otimismo.
O grau de endividamento bruto do país é significativo, o que justifica a preocupação em sempre se ter um conjunto robusto de âncoras fiscais, defendidas por uma equipe econômica competente e com credibilidade. Mas isso não quer dizer que o país esteja à beira do abismo fiscal, como vinha sendo percebido pelos investidores desde a pandemia até o primeiro semestre deste ano. Em outras palavras, uma gestão econômica conduzida com responsabilidade fiscal pelo próximo governo provavelmente permitirá a continuidade do bom desempenho dos ativos brasileiros.
Equipe Persevera.
[1]“Tough times helped many commodities producers become lean and mean through consolidation, mergers and cost-cutting. All that excess supply has been sopped up.”, https://graciousquotes.com/jim-rogers/, acesso em 07/11/2022. [2] Federal Reserve, banco central dos EUA
(11) 4780-3794
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