“A man generally has two good reasons for doing a thing—one that sounds good, and a real one”
J.P.Morgan
No início desse mês, a B3 divulgou um interessante estudo sobre a evolução dos investidores[i]. Um dos pontos destacados é o crescimento do número de investidores ‘Pessoa Física’ nos últimos 12 meses: de 2.5 milhões de CPFs registrados para 3.3 milhões, representando um aumento de +30%. Para ilustrar a magnitude desse movimento, vale lembrar que no final de 2019 havia ‘apenas’ 1.4 milhões de CPFs registrados de tal forma que em menos de dois anos houve um aumento de 235% de novos investidores PF na B3.
O investidor brasileiro já vem aumentando sua exposição a investimentos de maior retorno e buscando uma maior diversificação - e isso é muito desejável - mas será que apenas as variáveis macroeconômicas são capazes de explicar o expressivo aumento de investidores no mercado de ações nos últimos meses? Acreditamos que outra importante variável dessa ‘equação’ esteja diretamente relacionada às Finanças Comportamentais e nesse paper iremos apresentar alguns de seus conceitos que podem também ajudar a compreender os números citados no parágrafo anterior.
A Teoria Comportamental sugere que o processo humano de decisão está sujeito a diversas ilusões cognitivas e fatores emocionais e, por esta razão, os economistas comportamentais substituem o principal pressuposto da teoria neoclássica – o da teoria de expectativas racionais (racionalidade ilimitada) – pelo princípio da racionalidade limitada. Uma vez que a capacidade de processamento de informações por seres humanos é limitada, há a necessidade de criar atalhos para o processo de tomada de decisões, que acabam sendo ‘regras de bolso viesadas’ (heuristic bias)[ii].
Embora exista uma ampla ‘concordância’ sobre a natureza dos comportamentos emocionais e cognitivos, os especialistas tendem a categorizá-los de maneiras diferentes. Utilizaremos a divisão proposta por Hersh SHEFRIN (opus citi), que divide o campo das finanças comportamentais em viés heurístico e efeitos de estruturação (frame dependence).
Viés Heurístico: Processos heurísticos se referem a modelos criados pelo homem para tomar decisões complexas em ambientes incertos. Heurística é um atalho mental que simplifica e agiliza os processos de percepção, memória e julgamento à custa de perda de precisão e rigor. As heurísticas implicam vieses na hora de avaliar situações, o que conduz a erros sistemáticos. Tversky e Kahneman[iii] descrevem três heurísticas: heurística da representatividade, a heurística da disponibilidade e a heurística da ancoragem
Representatividade: julgamento por estereótipos ou por modelos mentais de aproximação. Os tomadores de decisão avaliam a probabilidade de ocorrência de um evento através da similaridade com acontecimentos passados. Se um incidente histórico está muito saliente na memória, ou parece representativo de uma situação corrente, pode exercer uma maior influência na decisão corrente do que seria desejável. Em outras palavras, é a tendência que as pessoas têm a tentar categorizar eventos randômicos como padronizados ou mesmo a exagerar as probabilidades de eventos dramáticos ou raros desconsiderando as evidências de médio e longo prazo. Uma consequência importante desse viés é a famosa Falácia do Apostador: pessoas tendem a acreditar na “lei dos pequenos números” (dão peso exagerado a informações extraídas de pequena base de dados) ao mesmo tempo em que desconsideram dados históricos e a essa falta de compreensão sobre aleatoriedade provoca a ‘falácia do apostador’ (se na roleta deu vermelho três vezes seguidas, então a probabilidade de dar preto aumenta).
Disponibilidade:processo de julgar a frequência ou probabilidades com base no quão facilmente exemplos ou associações podem ser recuperados na memória. Quando um evento pouco provável é por algum motivo trazido à mente, as pessoas tendem a superestimar sua probabilidade. Por criarem uma tendência forte de generalizar a partir de poucas amostras, os indivíduos têm uma percepção estreita dos riscos e são mais propensos a cometerem erros.
Ancoragem e Viés Confirmatório: quando chegam notícias, investidores exageram o peso de informações mais recentes e acabam dando menos importância às informações de mais longo prazo a respeito do ativo que estão analisando/operando. Essa tendência a buscar evidências (ou cria-las) que confirmem as avaliações preliminares (confirmatory bias) leva investidores a não admitir estratégias de investimentos fracassadas. Esse conceito está ligado ao que os psicólogos chamam de ancoragem: pessoas, quando fazem projeções, são extremamente influenciadas por suas prévias crenças e opiniões. Além disso, usam evidências fracas para formar suas hipóteses iniciais e estas ficam ‘ancoradas’, com grande dificuldade de corrigi-las quando informações de melhor qualidade posteriormente contradigam as crenças iniciais[iv].
Dessa heurística emana o viés da Autoconfiança Excessiva (Overconfidence), que é um conceito bastante intuitivo: significa ter mais confiança em relação a algo do que seria realista. Ter confiança é positivo, no entanto, o excesso de confiança é uma extrapolação que faz com que os indivíduos vejam a realidade de forma enviesada, não levando em conta possíveis problemas. Taleb associa o excesso de confiança à Arrogância Epistêmica, que é a nossa insolência em relação ao nosso conhecimento[v] e tem um efeito duplo: superestimamos o que sabemos e subestimamos a incerteza por meio da compreensão de estados incertos possíveis, reduzindo o espaço do desconhecido e dando margem a inúmeras distorções analíticas[vi].
Efeitos de Estruturação (frame dependence):
No item anterior apresentamos o viés heurístico que prevê que os indivíduos cometem erros ao tomarem decisões porque confiam em uma série de regras práticas (heurísticas) para processar informações.
O segundo grupo de ilusões que podem impactar nos processos de tomada de decisão são agrupadas na Teoria dos Prospectos, apresentada por Kahneman e Tversky[vii], que evidencia que na escolha entre diferentes opções de ganhos, as pessoas tendem a selecionar as opções que as permitam evitar riscos, sempre preferindo obter ganhos menores, ao invés de correr riscos para ganhar muito mais. Porém, quando as pessoas já estiverem enfrentando perdas, tendem a buscar o risco, evitando perdas seguras de magnitude menor. Além disso, os autores observaram que os indivíduos costumam descartar componentes que são comuns a todos os prospectos, o que os leva a escolhas inconsistentes quando o mesmo problema é apresentado de forma diferente. Segundo Shefrin, a decisão dos agentes depende da maneira como um problema é apresentado a eles (Frame Dependence): apesar de um determinado problema apresentar payoffs idênticos para o agente, o fato de serem apresentados em formas de ganho e de perda provocam decisões diferentes para a grande maioria dos agentes. Essa relação explica por que as pessoas tendem a odiar perdas, sentindo-as por volta de 2,5 vezes mais do que ganhos na mesma proporção[viii]. Isso significa que uma perda financeira de R$100 causa uma sensação negativa de mesma magnitude que a sensação positiva advinda de um ganho entre R$200 e R$300. Tal fenômeno ficou conhecido na literatura como aversão à perda (loss aversion).
Com base na constatação de que as decisões em condições de incerteza são influenciadas pelo fenômeno de aversão à perda e pelos fatores heurísticos e cognitivos anteriormente citados, Shefrin e Statman incluíram à teoria do prospecto outros fatores psicológicos e formularam a teoria denominada Efeito Disposição[ix], onde os investidores tendem a vender ações com lucro (ações vencedoras) em um curto período e a manter ações com prejuízo (ações perdedoras) por um longo período. Isso ocorre pois nas situações de sucesso a rápida realização dos ganhos evita arrependimentos que poderiam advir da postergação desta decisão, já em situações ruins adiar a venda pode fazer com que as perdas sejam revertidas, adiando também o arrependimento.
Inúmeros estudos foram feitos nos últimos anos a fim de analisar e tentar explicar como as questões emocionais e cognitivas anteriormente descritas - e que acabam levando ao Efeito Disposição – poderiam também explicar Momentum (a tendência de preços crescentes continuarem crescendo e de preços decrescentes continuarem decrescendo)[x].
No mercado brasileiro, em seu weekly report, o Núcleo de Economia Financeira da USP compara diversas estratégias de investimento (figura abaixo e tabela abaixo), evidenciando que estratégias de momentum (em preto na figura) têm rendimento médio bem superior às demais.
A existência deste fenômeno contradiz um dos paradigmas centrais da teoria financeira: a hipótese da eficiência dos mercados (HEM), onde informações novas seriam incorporadas aos preços instantaneamente (preços estariam “certos”, sem estratégias de investimento que pudessem superar sistematicamente a média de retornos ajustados por risco do mercado).
Como lucros persistentes acima da média do mercado são encontrados via estratégias de momentum, quebrando os preceitos do HEM, busca-se encontrar uma explicação para tal “anomalia”, e utilizando-se as bases das finanças comportamentais uma série de possíveis explicações foram formuladas:
1. Momentum é gerado por reações exageradas (overreaction)
Daniel, Hirshleifer e Subrahmanyam (1998)[xi] sugerem que dois vieses comportamentais explicam momentum: excesso de confiança e viés de auto-atribuição. O excesso de confiança, como vimos anteriormente, significa que as pessoas superestimam seu julgamento - especialmente quando precisam estimar valores e probabilidades. Já com o viés de auto-atribuição, as pessoas tendem a atribuir o sucesso de suas ações à sua habilidade e o fracasso de suas ações à sabotagem ou azar. Os investidores confiam excessivamente em sua capacidade de gerar e analisar informações relacionadas ao valor da empresa. Eles superestimam a precisão de suas informações privadas e subestimam os erros de projeção. O Viés confirmatório faz com que o investidor aumente a crença em sua capacidade, ao mesmo tempo que atribui movimentos adversos do mercado a fatores externos. Esse conjunto de fatores leva ao excesso de confiança que acaba desencadeando em uma reação exagerada e originando o retorno por momentum. A reação exagerada dos preços acabará sendo corrigida no longo prazo, à medida que os investidores observarem as notícias futuras e perceberem seus erros, levando a reversões de longo prazo
2. Momentum é gerado por reações brandas (underreaction)
Barberis et al. (1998)[xii] consideram que as reações brandas explicam retornos por momentum e apresentam um modelo que combina o viés do conservadorismo com heurística representativa. O conservadorismo implica que os indivíduos mudam suas crenças apenas muito lentamente após a chegada de novas evidências, ao passo que a heurística da representatividade implica que as pessoas observam padrões em sequências que são de fato puramente aleatórias. Devido ao viés do conservadorismo, o preço da empresa sobe muito pouco, já que os investidores não reagem suficientemente às notícias e empurra os preços das ações abaixo de seu valor fundamental, o que leva a retornos subsequentes mais elevados e, portanto, ao impulso do preço. Quando uma empresa divulga bons lucros por muitos períodos, as pessoas podem acreditar, devido às heurísticas representativas, que a série de bons lucros no passado é representativa de um potencial de crescimento de lucros no futuro. Consequentemente, eles superestimam o potencial de crescimento e elevam demais o preço da empresa. No futuro, eles ficarão desapontados quando os ganhos não crescerem tanto quanto eles presumiram o que resultará em reversões de longo prazo
3. Momentum e o Efeito-Disposição;
Grinblatt e Han (2002)[xiii] sugeriram um modelo que explica o efeito momentum baseado no efeito disposição e na existência de dois tipos de investidores: “investidores racionais” e “investidores de disposição”. Durante as boas notícias, conforme o preço das ações sobe, os investidores em disposição começam a vender as ações rapidamente para capturar o ganho antes de qualquer queda de preço subsequente. Quando o preço das ações cai, com base nas más notícias, os investidores de disposição retêm as ações em prejuízo, esperando que os preços subam mais tarde. Consequentemente, o preço nunca sobe ou desce o suficiente para contabilizar o valor de “fundamento” e isso causa uma reação no preço das ações: o efeito momentum surge quando os investidores racionais percebem que existe uma lacuna entre o valor fundamental da ação e seu preço de mercado atual. Se o gap for positivo (valor fundamental> preço de mercado), os investidores racionais descobrem que a ação está subvalorizada e começam a comprá-la, criando assim um impulso de alta no preço da ação. Da mesma forma, se o gap for negativo (valor fundamental <preço de mercado), os investidores racionais descobrem que a ação está sobrevalorizada e começam a vendê-la a descoberto, criando assim um momentum de queda no preço da ação. O modelo de Grinblatt e Han explica o efeito momentum em termos de reação causada por investidores de disposição e seguindo a convergência de gap iniciada por investidores racionais. De acordo com os seus resultados, momentum e reversões de longo prazo são fenômenos distintos para os quais modelos separados devem ser implementados.
Existem vários modelos de comportamento que contribuem para explicar o efeito momentum observado e podem ser mais adequados em diferentes situações. Por exemplo, os investidores são considerados mais céticos e conservadores por natureza durante o mercado em baixa, mas mais confiantes no mercado em alta. Como o conservadorismo leva a uma reação” insuficiente” e o excesso de confiança provavelmente causa uma reação exagerada, uma possibilidade pode ser que os modelos que explicam o efeito do momentum com a ajuda da sub-reação sejam superiores durante o bear market, enquanto os modelos orientados para a reação exagerada tenham uma maior aplicabilidade no mercado de alta[xiv].
Em suma, não há dúvida que muito do que sem tem observado ao longo dos últimos meses deve-se não só à fatores econômicos, mas também, e talvez até principalmente, às questões comportamentais, psicológicas, emocionais e cognitivas.
As atividades de gestão de recursos e de gerenciamento e controle de risco são quantitativas por natureza, baseadas em matemática, estatística e técnicas de simulação. Os conceitos de psicologia considerados pela teoria comportamental são complementares e não substitutos às ferramentas quantitativas.
Todos os envolvidos na gestão de recursos e na análise e controle de risco devem compreender e se familiarizar com algumas dessas teorias comportamentais. Gerenciar o risco é também gerenciar comportamentos: compreender a psicologia do risco se tornou algo necessário e fundamental e não apenas interessante. Qualquer abordagem para analisar e gerenciar risco que ignore fatores humanos é inadequada e incompleta e é provável que leve a resultados ‘sub-ótimos’.
Equipe Persevera
[i] “Pessoas Físicas: uma análise da evolução dos investidores na B3” (https://www.b3.com.br/pt_br/noticias/4-milhoes-de-pfs.htm) [ii] SHEFRIN, Hersh, Beyond Greed and Fear: Understanding behavioral finance and the psychology of investing, Harvard Business School Press, Boston, USA. [iii] Tversky, Amos; Kahneman, Daniel. Judgment under uncertainty: heuristics and biases. Science, 1974 [iv] MILANEZ, Daniel Yabe; Finanças Comportamentais no Brasil – Dissertação de Mestrado, FEA-USP, São Paulo 2003 [v] “Meça a diferença entre o que alguém realmente sabe e quanto ela pensa que sabe. Um excesso implicará em arrogância, um déficit em humildade. Um epistemocrata é alguém com humildade epistêmica, que suspeita enormemente do próprio conhecimento”; TALEB, Nicholas Nassin, A Lógica do Cisne Negro: o impacto do altamente improvável, Ed. Best Seller, 2015 [vi] LASETER, Tim, The Line between Confidence and Hubris, Strategy+Business, issue 86 [vii] KAHNEMAN, D. and TVERSKY, A. Prospect theory: An analysis of decision making under risk, Econometrica, 1979 [viii] "Prospect Theory: An Analysis of Decision under Risk” - https://scholar.princeton.edu/sites/default/files/kahneman/files/prospect_theory.pdf, acesso em 22/jan/2020 [ix] Shefrin, Hersh; Statman, Meir. The disposition to sell winners too early and ride losers too long: theory and evidence. The Journal of Finance, v40, 1985 [x] Dentre esses estudos destacamos as teses defendidas por Lucchesi, Eduardo P. O Efeito disposição e suas motivações comportamentais: um estudo com base na atuação de gestores de fundos de investimento em ações. Tese Doutorado, USP, 2010 e Pitthan, Francisco ; Como o Efeito-Disposição Pode Explicar Momentum: A Relação Entre Viés de Comportamento de Investimento e Movimentos do Mercado Brasileiro; FEA-USP, 2017 ; bem como o paper de Borges, Elaine C., O Efeito Comportamentalna Decisão de Investimento: O Impacto dos preços Limite no Volume Negociado; FEA-USP [xi] Kent, Daniel; Hirshleifer, David; Subrahmanyam, Avanidhar, A Theory of Overconfidence, Self-Attribution, and Security Market Under-and Over-Reactions, !997 [xii] N Barberis, A Shleifer and R Vishny (1998), A Model of Investor Sentiment, Journal of Financial Economics [xiii] M Grinblatt and B Han (2002), The Disposition Effect and Momentum, NBER Working Paper [xiv] Dhankar, Raj, Maheshwari,Supriya; Behavioural Finance: a new paradigma to explain momentum effect, University of Delhi, Delhi, India
(11) 4780-3794
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