▸ A política monetária americana é, como sempre, o fator de maior impacto sobre a economia global e os preços dos ativos. Outras questões têm impacto menor ou temporário.
▸ Não temos preocupação com a inflação nos Estados Unidos, e acreditamos que está nas mãos do Fed[1] administrar a política monetária de forma a não causar uma recessão. O desafio de curto prazo é de comunicação, mas o FOMC[2] não pretende abortar o processo de recuperação econômica nem aumentar as chances de uma recessão futura.
▸ Porém, há uma nova questão no horizonte: estaria Jerome Powell mais disposto a limitar movimentos de preços, que poderiam levar a bolhas, através de ações de política monetária
Um dos mantras mais repetidos no mercado financeiro é “don’t fight the Fed”. Sua mensagem é que os investidores se beneficiam ao terem estratégias alinhadas à política monetária nos EUA. Por esse motivo, o mercado financeiro acompanha e analisa minuciosamente cada comunicado, ata ou discurso proferido por membros do FOMC. Esse complexo tema é amplamente estudado e discutido por investidores ao redor do mundo, e acreditamos poder contribuir com o debate dentro do nosso escopo de atuação.
Em primeiro lugar, os eventos dos últimos 10 anos corroboram esse mantra. A política monetária conduzida pelo banco central norte-americano foi provavelmente o fator mais importante a contribuir para a incrível recuperação da economia americana e dos preços dos ativos globais. Em nossa visão, o Fed e sua política monetária foram muito mais relevantes para o desempenho dos ativos do que os incontáveis outros itens destacados por profissionais de mercado, tais como: políticas fiscais, reformas, tensões geopolíticas, guerras cambiais e comerciais, eleições, trocas de liderança em diversos países, paralisia política etc.
O impacto nos preços dos ativos de uma política de juros muito baixos por muito tempo é fenomenal. Esse é inclusive um lembrete para o Brasil: taxas de juros legitimamente muito baixas por muito tempo tem o poder de levar a fortes valorizações dos ativos financeiros, mesmo em ambientes fiscais muito desafiadores.
Não faltaram motivos nos últimos meses para preocupação com relação ao cenário econômico: a guerra comercial entre EUA e China, o shutdown do governo americano, o Brexit e a desaceleração chinesa, dentre outros. Acreditamos, porém, que esses fatores apenas serviram como racionalizações posteriores a um movimento de mercado cuja causa primordial foram os ruídos gerados pela comunicação de Powell e as reações do presidente Trump. Quando observamos numa linha do tempo a série de eventos que antecederam as oscilações do S&P500 em dezembro, fica claro que os grandes movimentos, com uma exceção, foram causados por eventos relacionados ao Fed.
Em nossa visão, o Fed e sua política monetária continuarão sendo o fator com maior impacto sobre expectativas, preços e investimentos ao longo de 2019.
No período pós crise, o Fed se manteve resoluto na estratégia de fomentar a recuperação da economia após os efeitos da implosão de 2008 e da grande recessão. Neste período, o controle da inflação passou para segundo plano e o combate à desinflação e à estagnação econômica foram a prioridade da política monetária. Nesse sentido, Ben Bernanke e Janet Yellen nunca esconderam sua preferência por correr riscos inflacionários num futuro distante para reduzir ao máximo as chances de abortar precocemente o processo de recuperação da economia. Foi assim também com Jerome Powell até o passado recente.
Essa estratégia foi possível porque a inflação se manteve baixa ao longo de todo o período. Não adiantaria o Fed ter a disposição de manter uma política estimulativa se, por alguma outra razão, a inflação começasse a se elevar de forma relevante. No início do processo de estímulo, essa preocupação era menos importante, pois o risco de deflação era o maior inimigo. Porém, a partir de certo ponto da recuperação e da expansão do balanço, a expectativa de que a alta da inflação pudesse limitar a liberdade de atuação do banco central sempre foi um risco presente. A realidade, no entanto, foi que a inflação se manteve bastante baixa. Como indicamos na carta de novembro, nossa visão é que a inflação não será fonte de preocupação por mais alguns anos, o que permitirá ao FOMC manter sua estratégia de normalização bastante gradual das condições monetárias.
Restam então duas questões primordiais para compreender a atuação do Fed ao longo deste ano:
1. As elevações de juros já não levarão a economia americana a uma recessão num futuro próximo, como muitos analistas começam a considerar?
2. Jerome Powell tem os mesmos objetivos que seus antecessores Bernanke e Yellen?
A primeira pergunta ganhou muita repercussão durante o episódio recente de volatilidade do mercado, por conta da (quase) inversão da curva de juros americana. Essa inversão consiste em as taxas de juros de longo prazo (10 anos) ficarem abaixo das taxas de curto prazo (2 anos). Trata-se de um evento raro, mas que tem historicamente uma inegável capacidade preditiva para o risco futuro de recessão.
Como essa inversão ainda não ocorreu, temos apenas um sinal amarelo, e, como a taxa de juros de 2 anos é determinada em larga medida pelo próprio banco central, a princípio está em suas mãos moderar o risco de recessão. Em ciclos anteriores, o Fed sempre achou motivos para ignorar esse indicador, o que acabou levando a recessões. Dessa vez, com um histórico tão documentado, com o mercado acompanhando de perto esse indicador, e com a inflação bem-comportada, acreditamos que não haveria motivos para causar uma efetiva inversão da curva e elevar o risco de recessão.
Assim, por um lado, não vemos grande risco inflacionário e, por outro, está nas mãos do Fed reduzir as chances de uma recessão num futuro próximo. Os dois maiores riscos de erros monetários nos EUA são razoavelmente baixos.
Restam então os riscos relacionados à questão 2 indicada acima: qual será o comportamento de Jerome Powell daqui para frente? Já vimos que um risco imediato é o que vivenciamos desde outubro: a dificuldade de comunicação do Fed neste momento de transição da política monetária. As oscilações de preços decorrentes de eventuais erros de comunicação, interpretação exageradamente otimista ou pessimista pelo mercado, ou reversões de sinalização já fazem e continuarão fazendo parte da rotina. Ao nosso ver, no entanto, há um risco central, de mais longo prazo: será que a postura desse Fed continuará sendo de priorizar a continuidade da recuperação econômica, que já dura quase 10 anos, ou Jerome Powell estaria disposto a perseguir uma estratégia diferente?
Desde a devastação causada pela crise financeira global da década passada, precedida que foi por grandes excessos nos mercados financeiros globais, o Fed passou a incluir em seu conjunto de objetivos zelar pela estabilidade financeira de longo prazo, evitando a formação de bolhas. Isso nunca foi implementado de fato por Bernanke ou Yellen, mas será que Powell dá uma maior importância a esse objetivo? Essa seria uma mudança extremamente importante, com impacto significativo sobre os mercados, e que limitaria movimentos de alta de preços das ações e dos títulos corporativos, tendo também impactos nos mercados de moedas e commodities.
Entendemos que é uma possibilidade real, a julgar por algumas frases proferidas por Powell no passado, que retiramos de um excelente artigo publicado recentemente[3]. A frase destacada é especialmente reveladora:
▸ 25/maio/2018: “Não pode haver estabilidade macroeconômica sem estabilidade financeira.”
▸ 13/junho/2018: “Há alguma preocupação com preços de ativos em alguns setores.”
▸ 20/junho/2018: “Vale mencionar que os dois últimos ciclos econômicos não terminaram com inflação alta. Eles terminaram com instabilidade financeira, portanto, é algo que precisamos também manter em vista.”
▸ 26/setembro/2018: “A primeira coisa, a maior coisa que acho que aprendemos foi: a importância de manter a estabilidade do sistema financeiro. Portanto, eu acho que se você olhar para o modo como modelos funcionavam e a forma como as pessoas pensavam sobre risco e a economia, era isso que faltava.”
A essas afirmações, somam-se as manifestações que causaram a forte queda do mercado na fatídica entrevista coletiva após a reunião do FOMC em 19/dezembro:
▸ “Um pouco de volatilidade - falando de forma abstrata - alguma volatilidade provavelmente não deixa marcas na economia.”
▸ “Nós seguimos os mercados com muito cuidado, mas, do ponto de vista macroeconômico, nenhum mercado [isoladamente] é o indicador dominante.”
▸ O Fed olha “uma grande gama de condições financeiras” quando toma suas decisões.
Esse conjunto de declarações parece indicar que Powell poderia seguir um caminho diferente de seus antecessores em relação ao preço dos ativos. Isso explicaria parcialmente suas colocações que causaram tanta volatilidade no mercado financeiro entre outubro e dezembro. Por essa interpretação, a atitude de Powell pode não ter sido integralmente devida a falhas de comunicação, mas sim a seu objetivo de interromper altas excessivas nos preços dos ativos. Se esse é realmente o caso, estamos diante de um Fed que não somente se preocupa com quedas excessivas nos preços dos ativos, mas também com altas exuberantes. À medida que os mercados se recuperam da queda do ano passado, essa se tornará a grande questão para os investimentos em 2019. Parece bastante possível que o Fed comandado por Jerome Powell estaria disposto a limitar os movimentos de alta de preços, algo que não está, atualmente, no radar dos investidores.
[1] Federal Reserve (Fed) é o banco central dos EUA.
[2] Federal Open Markets Committee (FOMC) é o comitê de política monetária do Fed.
[3] Will The Real Jay Powell Please Stand Up? https://www.zerohedge.com/news/2019-01-09/will-real-jay-powell-please-stand (acessado em 22/jan/2018).
Equipe Persevera.
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